Festival Helipa Music transforma realidade da favela de Heliópolis em arte
- Escrito por Marcela Muniz | Editor Douglas Cavalcante
- 9 de out.
- 5 min de leitura
Músicas abordaram temas como violência policial e drogas; edição contou com novidade de games para os adolescentes

“Bairro educador resiste. A favela não se cala.” Foi com esse verso potente que as crianças do CCA (Centro para Crianças e Adolescentes) 120 abriram mais uma edição histórica do Festival Helipa Music. No último sábado (04), a Rua da Mina recebeu milhares de crianças, adolescentes e suas famílias para celebrar a arte, a cultura e o orgulho de pertencer à comunidade. O evento contou com diversas apresentações musicais elaboradas por educandos de CCAs de Heliópolis e Região, além da presença de artistas locais que reforçaram a representatividade periférica no Festival.
O Festival Helipa Music foi criado pela UNAS em 2010 e tem como objetivo estabelecer um espaço de expressão artística e cultural que evidencie o papel da música como uma ferramenta de transformação social. O evento é 100% feito pelas crianças e para as crianças de Heliópolis, fomentando nelas a autonomia e a responsabilidade, além de estimular o seu senso crítico sobre a realidade e o cenário em que estão inseridas, e por meio de rimas, danças e apresentações expor suas opiniões.
Para Milena Carraro, 26 anos, gestora do CCA Lagoa, o Helipa Music atende à necessidade das crianças de acesso à cultura, arte e políticas sociais, “para que elas possam se desenvolver integralmente”. Além disso, a educadora acredita que o Festival, juntamente ao trabalho desenvolvido diariamente nos CCAs, contribui para o conhecimento dos adolescentes sobre os seus direitos: “as crianças se entendem como pessoas que não devem ser violadas, nem pela sociedade e nem pelo sistema.”
‘Estamos cansados de ser mortos pela polícia’

No palco do festival, os 11 CCAs gerenciados pela UNAS tiveram a oportunidade de apresentar as suas músicas, com letras e performances elaboradas ao longo dos meses que antecederam o evento. Os temas das canções foram definidos pelos educandos e abordaram o cotidiano da maior favela de São Paulo. Neste ano, a turma do CCA Lagoa optou por tratar da violência policial vivenciada pela juventude periférica. O tema foi escolhido após um caso que acometeu a família de uma adolescente atendida no projeto, que ocasionou a morte de seu irmão.
A partir do ocorrido, foi identificada a necessidade de abordar o assunto, não apenas na música que seria apresentada no Festival, como também nas atividades do CCA. “Foi um acontecimento que gerou uma certa repercussão no território e pudemos perceber alguns pontos, como a culpabilização das vítimas em casos como esse. A comunidade não as enxerga como seres humanos, e isso dói na família”, relatou Milena.
Evelyn, 14 anos, foi uma das adolescentes a representar o CCA Lagoa na performance para o Festival e compartilhou sobre a importância de falar dessa violência: “Nós, o povo favelado, estamos cansados de ser mortos pela polícia. A polícia serve para nos proteger e não para nos punir”. Além disso, a adolescente também acredita que a letra da música desempenha um papel de “conscientização” sobre uma realidade que é atual, mas que pode marcar uma população e ser refletida no futuro.
“Favela na tela, palco da opressão,
A justiça demora, cadê a reparação?”
- Trecho da música desenvolvida por educandos do CCA Lagoa
Adolescentes denunciam realidade das drogas na Região
Já no CCA Aziz, projeto localizado na região da Água Funda, os adolescentes desenvolveram o “Samba da Resistência” que fala sobre o uso intenso de drogas na comunidade. Patricia Viana, 45 anos, gestora do CCA, compartilhou: “[o uso de drogas] É algo que acontece na rua, nos espaços onde as crianças brincam e vivem a sua infância. Na quadra, onde levamos eles para praticar algum tipo de esporte, geralmente tem pessoas usando a droga K”. Durante as atividades propostas, a turma pôde desenvolver a letra da música a ser apresentada. “O Helipa Music não é uma atividade isolada; ele surge de um trabalho pedagógico realizado o ano inteiro”, apontou Patricia.
Ao longo do semestre, foram realizadas atividades artísticas e rodas de conversa sobre o que os adolescentes acreditavam ser necessário melhorar dentro da comunidade. A inserção de iniciativas desse tipo na rotina dos atendidos, os auxilia a compreender a comunidade e olhar de forma crítica para o que os acomete diariamente. “As crianças passaram pelo processo de construir a música para que conseguissem fazer uma leitura crítica da sua realidade, por meio de uma poesia, com os instrumentos, a dança. Esse processo reforça o protagonismo das nossas crianças”, relatou a educadora do CCA Aziz.
Festival se expande para o universo digital
Nesta edição, além das apresentações musicais, os adolescentes também tiveram a oportunidade de vivenciar o Festival Helipa Games, durante a manhã de sábado. O evento dispôs de uma estrutura com circuitos e competições de jogos que foram desenvolvidos por jovens do território, ao longo de um período intenso de três semanas de formação. Para Paulo Henrique, 27 anos, mobilizador do projeto de desenvolvimento de games, a iniciativa é essencial sob a perspectiva de um território periférico: “Heliópolis ainda está em processo de desenvolvimento em tecnologia, mas essa é uma área promissora para o futuro”.

Além disso, ele também visualiza a formação, cujo público foi 75% feminino, como uma proposta de empoderamento: “É muito importante engajar as meninas e mostrar que elas também têm o espaço e a voz delas no mundo dos games, que é um cenário de extrema predominância masculina. A gente traz essa desconstrução e lembra que tem espaço para todo mundo”. A formação com jovens de Heliópolis se conecta com o movimento global da UNICEF, Gamechanger, que tem como objetivo a capacitação e inserção de mulheres no mercado de trabalho de jogos digitais.
Ney Neto, fundador da empresa de tecnologia Biobots, apoiadora de ambos os eventos, compartilhou que o Helipa Games se conecta com o Helipa Music ao partir do propósito de inspirar jovens periféricos: “Vendo a alegria das crianças apresentando aquele número que elas prepararam com tanto carinho para a comunidade, percebemos o quanto são impactadas pelo Helipa Music. Então, o Helipa Games vira um ‘puxadinho’ ali na quadra, com a mesma visão de inspirar aquelas crianças a sonhar um futuro dentro desse mercado de esportes eletrônicos e jogos também”.
“O Futuro que desejo é um povo mais feliz,
O estado se esquece, a favela vem em diz,
A cultura do meu povo é o que educa a gente aqui.”
- Trecho da música desenvolvida por educandos do CCA Aziz
O Festival Helipa Music é uma iniciativa da UNAS Heliópolis e Região que, neste ano, contou com o apoio cultural da Fundação CSN, Biobots, UNICEF e do selo cultural Estrondo Beats. Além disso, o Festival Helipa Games, idealizado pela UNAS em parceria com a UNICEF, recebeu apoio da Biobots, Sunny, Token Nation, Think Ball, Ola.gg, Class e da Uniperiferias para a sua realização.
Confira os temas das músicas elaboradas pelos CCAs:
CCA 120 - Bairro Educador Resiste (Tema: Educação)
CCA Aziz - Samba da Resistência (Tema: Cultura)
CCA Imperador - O Sagrado do Outro Também Merece Respeito (Tema: Religião)
CCA Georgina - O Tempo Não Para (Tema: Direitos Humanos)
CCA Mina - Raízes da Violência (Tema: Direitos Humanos)
CCA Lagoa - Violência Policial (Tema: Justiça Racial)
CCA Plácido - Roubaram Minha Infância (Tema: Direitos Humanos)
CCA Heliópolis - Movimentos Sociais (Tema: Justiça Social)
CCA Pam - Calma Vamos Respirar (Tema: Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes)
CCA Izaura - Educação Transforma (Tema: Violência Institucional)
CCA Parceiros - Ancestralidade é Luta (Tema: Igualdade Racial)

























































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