Seminário realizado pela UNAS reúne vozes em defesa da educação, proteção social e democracia
- Escrito por André Silva | Editor Douglas Cavalcante
- há 6 dias
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Atualizado: há 3 dias
Ao longo de três dias cerca de 800 pessoas participaram das seis mesas de debate, promovidas pelo 16º Seminário Heliópolis e região Bairro Educador
Heliópolis e comunidades da região tornaram-se mais uma vez em um espaço de debate sobre a democracia, educação, rede de proteção infantil e outros dificuldades que afetam a população e que foram destaques no 16º Seminário Heliópolis e Região Bairro Educador, que aconteceu sobre o tema “Educação e Proteção Social como Bases da Democracia”, reunindo educadores, estudantes, lideranças comunitárias, profissionais de diversas áreas, jovens e ativistas. Reafirmando estes territórios como referência na construção de um Bairro Educador e de Resistência em um cenário onde o Brasil enfrenta desafios significativos à sua democracia, como as políticas econômicas externas que ameaçam a soberania nacional e visam o enfraquecimento dos direitos das classes trabalhadoras, e também das medidas governamentais no sistema educacional que colocam em risco tanto a educação integral com a ausência das CEMEIs (Centro Municipal de Educação Infantil) — que facilitaria significativamente a rotina diária de 100% das famílias que vivem em Heliópolis e que participaram do recente estudo do Observatório De Olho na Quebrada — quanto às mudanças drásticas no sistema de Educação de Jovens e Adultos (EJA).

A abertura da décima sexta edição do Seminário aconteceu na sexta-feira, 19 de Setembro, com a Quadra da UNAS sendo palco de uma noite de reflexões e discussões de temas fundamentais em defesa da justiça social e para a construção de uma sociedade mais justa e educadora. Reunindo centenas de pessoas, a noite foi marcada pelas falas de parceiros e apoiadores da UNAS que reforçaram o compromisso com uma sociedade educadora e no enfrentamento às injustiças, pautas essas que fortalecem o tema norteador deste ano e que foram destacadas também pelas apresentações dos Centro das Crianças e dos Adolescentes (CCA) dos núcleos Mina, Heliópolis e 120.
A cerimônia de abertura também foi marcada pelo lançamento do livro Renda Digna em Heliópolis, que reúne dados essenciais coletados pelos projetos Renda Digna e o Observatório De Olho na Quebrada. A obra apresenta as perspectivas dos moradores de Heliópolis sobre o que é necessário para garantir um padrão de vida digno na favela, uma publicação necessária para fomentar o debate sobre políticas públicas mais eficientes e inclusivas nas periferias.
No encerramento da noite, Antônia Cleide Alves, presidenta da UNAS, destacou em sua fala a importância da educação como uma ferramenta essencial para a transformação social, ressaltando que, por meio da proteção infantil e da educação inclusiva e de qualidade, é possível formar uma geração consciente politicamente e capaz de contribuir para a construção de um país mais justo e igualitário, e também de promover a proteção da democracia.
“O nosso país é um dos mais desiguais do mundo e é também um dos países mais ricos em recursos naturais, então não combina com essa desigualdade que a gente vive e vê todos os dias, mas a gente quer uma educação que nos coloque lá e nesse “lá” que eu digo é para as disputas, de chegar e dizer que sabemos que vivemos em um país desigual, que a gente entende que vivemos nele, mas que a gente não aceita mais isso, de que não dá pra viver em um país que ignora um sistema de educação bancária e uma educação que não ensina e não liberta” afirma Antonia Cleide Alves, presidente da UNAS
É partindo desta visão que esta edição do Seminário contou com a realização de seis mesas de debates espalhadas pelos territórios de Heliópolis e Região e que contemplam temas cruciais para o território, englobando a proteção geral das crianças e dos adolescentes, enquanto também reforça a luta e a resistência pela educação que vem sendo constantemente atacada no estado e pela proteção infantil que sofre com a ausência de uma unificação dos atendimentos.
O atual cenário político e a ascensão tecnológica guiaram, por meio da mediação de Milena Carrari e Priscila Amaral, a mesa de debate “Democracia em Risco: Neoliberalismo, soberania nacional e os desafios da classe trabalhadora”, reunindo Gabriel Simeone, membro da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto; Sérgio Ribeiro, Mestre em Ciências Sociais e vice-presidente estadual do PT em São Paulo; Ivone Silva, presidenta do Instituto Lula e vice-presidente da CUT-SP; e Walfrido Warde, advogado, sócio-fundador da Warde Advogados, escritor e presidente do IREE.

A mesa, uma das realizadas na E.M.E.F. Pres. Campos Salles provocou uma reflexão profunda sobre o cenário político diante de um conflito ideológico, as constantes intromissões políticas e econômicas do governo dos Estados Unidos que ameaçam nossa soberania como nação com o apoio de políticos brasileiros, as ações deturpantes e desrespeitosas que vem sendo cometidas na Câmara dos Deputados com a discussão e aprovação dos textos que cedem anistia aos acusados de tentativa de golpe de estado liderado pelo ex-presidente da República e também do projeto que blinda os deputados de investigações criminais e de uma política anticorrupção.
“O neoliberalismo tem por finalidade enfraquecer a soberania, é um projeto concebido com a finalidade de tornar permeáveis os mercados e as políticas dos países, sobretudo os países mais frágeis economicamente ou politicamente, em favorecimento das potências hegemônicas. Então quando a gente discute um tema desse, como soberania e democracia, nós estamos falando, basicamente, como é que as relações de trabalho e as relações de produção importam no fortalecimento e no enfraquecimento de relações políticas e da capacidade de uma nação e de um povo de defender seu território, sua cultura e seus valores, isso é muito importante, sobretudo ser discutido em um lugar como Heliópolis.” disse Walfrido Warde
No campo econômico e social, a análise ofereceu um olhar sobre os rumos da classe trabalhadora diante do avanço das tecnologias, especialmente com os projetos de inteligência artificial. Durante sua fala, Gabriel Simeone provocou que é um erro pensar que as IA irão simplesmente “tomar” nossos empregos, quando na verdade estamos diante de um sistema de trabalho cada vez mais compulsivo e desgastante, salientando que “A coisa mais cara no mundo no futuro será a relação humana.”

Outra mesa realizada na escola abriu o debate sobre a educação pública e os desafios que vêm sendo enfrentados nos últimos anos, sobretudo neste ano, com o afastamento de diversos diretores da rede de ensino e que ferem as autonomias das escolas. A discussão ocorreu por intermédio de Marília De Santis e Robson Silva, e foi fomentada com Aline Soares, Doutora em Educação e Mestre em Gestão e Políticas Públicas; Natacha Costa, diretora geral da Escola Vera Cruz e Mestre em Educação; Luciane Cavalcante, Deputada Federal e professora; Cláudio Marques, Mestre em Educação; Rute Rodrigues, pós-doutoranda em Educação e Doutora em Ciências Sociais; Leonardo de Almeida, professor e diretor na E.M.E.F. Ibrahim Nobre; Silvia Regina, professora e diretora de Escola Pública.
Durante o debate foi destacado os impactos negativos das políticas educacionais atuais e os perigos do processo de desmantelamento da autonomia das escolas, e o crescente controle externo e a padronização das práticas pedagógicas que comprometem a liberdade de gestão e a capacidade de adaptação das escolas aos territórios onde estão inseridas. A maneira como a educação e a escola vem sendo tratada pelo modelo “gerencialista” e neoliberal introduziu à mesa o assunto de como a educação tem sido tratada como um produto e não como um direito final. Outro ponto crítico abordado foi a violência institucional contra os diretores, uma ação contra as escolas que afastou dezenas de diretores de suas funções, ressaltado durante à discussão como um desrespeito às equipes e contra os alunos.

A preocupação com o desmonte na educação também foi pauta na mesa realizada no E.M.E.F. Luiz Gonzaga do Nascimento Junior que reuniu Marineide de Oliveira, ativista, professora e pesquisadora dos campos das políticas institucionais; Suene Lucas, pedagoga e assistente social; Angélica Santiago, especialista em pedagogia e coordenadora do MOVA UNAS (Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos); e Marcelo Alexandre, Mestre em Educação e Diretor da Divisão de Educação de Jovens e Adultos (DIEJA) na mesa mediada por Marília De Santis que pautou o tema “O que está acontecendo com a educação de jovens e adultos no Bairro Educador?” refletindo sobre as recentes medidas estaduais que desmantela uma modalidade que é essencial para a classe trabalhadora e jovem que enfrentaram desafios sociais e educacionais que dificultaram o acesso pleno à uma educação de qualidade
“Quando a gente fala de educação nós estamos falando de autonomia, de pessoas que vão ter essa autonomia de escolher o seu trabalho, pra escolher a sua profissão, para tomar as suas decisões e de ter acesso aos direitos que muitas vezes estão atrelados à alfabetização, à uma matrícula.” afirma Suene Lucas. “E debater este desmonte é poder falar que quando você impede que a pessoa volta a estudar por meio da redução de sala, de vagas ou alterando o modelo de ensino, você está afastando essa pessoa dos seus direitos e a importância do seminário pra mim é poder falar sobre esse desmonte e das causas e prejuízos que podem acontecer se a gente quanto população não fizer o movimento de cutucar o estado para que tudo isso mude”
O Gonzaguinha também levantou a discussão centrada nos avanços tecnológicos e os cenários cada vez mais desafiadores que as redes sociais promovem, tornando a internet um ambiente comum, mas repleto de desafios e contradições. De um lado, foi discutida a necessidade de proteção das crianças e dos adolescentes com a superexposição e os perigos à saúde física e mental, a desinformação — principalmente no âmbito da política polarizada digital — e nas demais influências nocivas. Do outro, foi pensado nas maneiras de tornar a tecnologia um aliado, fortalecendo lutas sociais, ampliando vozes historicamente silenciadas.

“Foi muito discutido como a internet tem mudado a forma como os jovens estão se formando e se percebe que é uma formação diferente.” afirma Lucas Holanda, mediador da mesa. “O comum, principalmente depois da pandemia, é que a interação social e a saúde mental dos jovens está (por meio das redes sociais) precarizada.”
É nessa dualidade que a mesa “Juventude nas Redes: Entre oportunidades e armadilhas digitais” — mediada por Lucas Holanda e Sarah Limeira, e formada por Gabriel Wesley, estudante, militante do MTST e conselheiro jovem da UNICEF; Beatriz Ribeiro, estudante, MC Biata, agente cultura e comunicadora popular; Bruno de Holanda, coordenador do Movimento Fala Jovem e do Projeto Diagnóstico Colaborativo e Isabelly da Silva, estudante e integrante do Projeto MUDEM (Projeto Minas e Manos Unidos Desconstruindo o Machismo). — explorou um ambiente que enquanto conecta territórios e pessoas, também cria barreiras invisíveis; pensando na tecnologia não apenas como se uma ferramenta de entretenimento, mas como um espaço de disputa para garantir que crianças e jovens possam usufruir de seus potenciais sem comprometer seu bem-estar, físico ou mental, e sua autonomia.
“É muito bom ver a juventude ocupando esses espaços de debates e ter essa liberdade da própria juventude se pautar.” comenta Bruno Holando, coordenador do Movimento Fala Jovem. “A gente vê à direita se ocupando destes temas e espaços, então nos perguntamos do porque nós não deveríamos e a gente poder pautar isto no seminário também é sinônimo de renovação do bairro educador.”

A mesa "Educação Infantil, Inclusão e o Direito de Aprender na Primeira Infância", realizada na E.M.E.F. Dr. Abraão Huck, foi conduzida pela Cláudia Soares e por Valéria Moura, ambas do Núcleo de Acompanhamento Pedagógico da UNAS e acompanhados na mesa por Cisele Ortiz, psicóloga, especialista em Educação Infantil e escritora; Ester Asevedo, pedagoga e especialista em gestão educacional; Priscila Cabral, diretora de comunicação do Todos Pela Educação; e Claudete Barreto, coordenadora pedagógica da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo.
A discussão central abordou não apenas os desafios estruturais da educação infantil enfrentados em territórios periféricos, mas também as soluções e ações necessárias para transformar a realidade da educação infantil. Entre os principais obstáculos a ser superado é a ausência de escolas em período integral para a educação infantil por meio da implementação das CEMEIs e a necessidade urgente de se pensar em práticas pedagógicas inclusivas que respeitam a primeira infância como uma fase fundamental do desenvolvimento humano e social.
"Não se trata apenas de um tema acadêmico ou técnico, mas de uma convocação ética e social, afinal, pensar a infância é projetar o futuro coletivo de um território inteiro." afirma Valéria Moura. "Em um território como Heliópolis, onde a educação e a proteção social se afirmam como base da democracia, discutir o direito de aprender desde a primeira infância é reafirmar que nenhuma criança pode ser invisível. E essa mesa é, portanto, mais que um momento de debate, é um gesto político e pedagógico que marca o compromisso de uma comunidade inteira com o futuro de suas crianças e, por extensão, com o futuro do Brasil."

Na E.E. Prof. Álvaro de Souza Lima, no Jardim São Savério, a conversa girou em torno dos obstáculos burocráticos enfrentados pela legislação da escuta especializada e do depoimento especial que, no papel, visa garantir a escuta especializada e prevenir a vitimização de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência. A discussão ressaltou como a fragmentação das políticas de atendimentos pelas secretárias desarticula o processo de proteção infantil e, como consequência, crianças e adolescentes tendem a ser submetidas a repetição do processo de atendimento.
A mesa foi formada por profissionais que compõem a Rede de Proteção, com a mediação sendo realizada pela Conselheira Tutelar Mariana Maria e pela educadora Jady de Souza, conduzindo a mesa formada composta por Raul Araújo, psicólogo e psicanalista; Elena Mitie, psicóloga na Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo; Renata Del Tedesco, psicóloga e pedagoga; Patrícia Di Tullio, psicóloga e Diretora de Média Complexidade da Coordenação de Proteção Social Especial, da SMADS.
Por meio de suas mesas espalhadas por Heliópolis e Região, o 16º Seminário Heliópolis e Região não apenas ressaltou as dificuldades enfrentados nas periferias, como também propôs soluções e ações concretas para transformar os cenários educacional e da proteção infantil, espaços estes que são desafiados por políticas que frequentemente negligenciam a autonomia das escolas e precariza os direitos básicos da população que vive nestes territórios constantemente marginalizados. Ao destacar a defesa da educação em seus diferentes modelos e da proteção infantil como ferramenta de transformação social, o Seminário reafirma o papel crucial destes temas como bases para a resistência às desigualdades e a promoção de uma democracia inclusiva e resiliente.
“A voz que se levanta neste Seminário é a de que está geração não pode e não vai mais aguentar essa injustiça e esse projeto de vida é uma resposta ao projeto de morte contra os nossos e quando digo projeto de morte, é quando essa direita vive por aí atacando a população LGBTQIAPN+, excluindo as populações negra, os povos originários e as mulheres. É este o projeto que eles querem pra gente, um projeto de exclusão e morte, mas não é o que queremos. O que as mesas debateram aqui, é que queremos igualdade na diversidade, nos direitos, na educação, de que queremos as políticas públicas efetivas. E é por isto que neste seminário a gente trouxe pessoas que estão inseridas no poder público, no trabalho de base, nas escolas e na comunidade para participar dessas discussões.” ressalta Antônia Cleide Alves.
Realização: UNAS Heliópolis e Região
Apoio: UNICEF; Ministério da Saúde e Governo do Brasil