Quando a educação transforma: a história de Marinita e Jaqueline na UNAS
- Escrito por Marcela Muniz | Editor Douglas Cavalcante
- há 4 horas
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Histórias de superação mostram como o apoio institucional e a sororidade entre mulheres podem transformar trajetórias marcadas por desafios
“Eu saí da minha cidade para realizar o meu sonho em São Paulo”. Marinita Santino dos Santos, 51, nasceu em Garanhuns, cidade no interior de Pernambuco, e cresceu com um desejo em seu coração: ser professora de Educação Infantil. Em São Paulo, através de uma das creches da UNAS, a pernambucana teve uma oportunidade que transformou a sua realidade. Hoje, educadora no CEI (Centro de Educação Infantil) Simone Agnalda Ferreira, ela precisou enfrentar muitos obstáculos para essa conquista.

Desde pequena, nas primeiras brincadeiras de escolinha, Marinita já ensaiava o seu futuro. Começou a trabalhar com apenas 9 anos de idade, não por escolha, mas foi necessário no contexto em que vivia. Em meio à pequena diversidade de opções de trabalho, fez ‘bicos’ para que pudesse se sustentar. As coisas passaram a ser mais difíceis em sua vida, no momento em que precisou criar um filho com a ausência do pai e buscar alternativas: “Quando o pai [da criança] soube que eu estava grávida, me abandonou. E eu não queria que faltasse nada para o meu filho”, expressa a nordestina.
Durante os primeiros três meses após o nascimento do bebê, ela teve apoio de sua família, “mas eu não gostava de depender deles”, diz Marinita. Foi nesse período que começou a recolher reciclagem, como forma de ganhar dinheiro, trazendo à tona mais uma questão complexa: “Às vezes meu filho tinha vergonha de mim, ele dizia: ‘mãe, você trabalha no lixão’. Para uma mãe, isso dói”. Marinita lembra que esperava o filho dormir para chorar escondida diversas vezes, pela necessidade de passar pela situação para cuidar sozinha de David. Após três anos e quatro meses, passou a trabalhar em uma empresa de laticínios, onde permaneceu por um período de quase 4 anos.
A concretização de seu sonho começou a se aproximar ao ser contratada para atuar em uma escola pela primeira vez, realizando tarefas relacionadas à limpeza dos espaços, após a aprovação em uma prova promovida pela Prefeitura de Garanhuns. Chegou até a ensinar crianças na cidade, de forma voluntária. Mas, para ela, não era o suficiente. Marinita sentia a necessidade de estudar, algo que parecia distante no cenário em que vivia: “Eu recebia R$900. Eu tinha que escolher: ou cuidava do meu filho, ou fazia faculdade. O salário não dava”.
A mudança que ampliou as possibilidades
Em 2019, Marinita veio para São Paulo pela primeira vez. A intenção era apenas casar com José Marinho, seu esposo que já morava aqui, e depois voltar para onde morava, mas não foi isso o que aconteceu. Na cidade paulista, o seu sonho parecia estar ainda mais perto. “Jamais, na minha cidade, eu poderia realizar o meu sonho de ser professora”, conta. Marinita é uma entre as mais de 5 milhões de pessoas, segundo estudo da Fundação Seade, que deixaram o nordeste para viver em São Paulo atualmente. Ela explica que o fato de Garanhuns ser uma cidade muito pequena, implicava em poucas oportunidades de crescimento e qualificação profissional.
Ficou um ano desempregada depois que chegou, em busca de um lugar para trabalhar. Ela relata que conheceu a organização através de pessoas que comentavam sobre a possibilidade de atuar nos projetos: “Todo mundo falava da UNAS, mas eu não conhecia ainda. Minha vizinha, na época, me levou até a sede. Ela sabia do meu sonho e dizia: ‘a UNAS tem muita creche’”.
Em fevereiro de 2020, entregou seu primeiro currículo na recepção da UNAS. Por um tempo, a ação virou quase uma rotina: Marinita chegava com mais um currículo e a recepcionista da sede, na época, brincava ‘de novo, baixinha?’. Somaram-se 11 currículos entregues até que surgisse a vaga para atuar na equipe de apoio do CEI Simone. No CEI, a nordestina teve muito incentivo para que começasse a estudar, inclusive nos momentos em que pensou em desistir. Esse incentivo não era apenas pessoal: faz parte da cultura da UNAS de promover o acesso à educação como ferramenta de cidadania. A pernambucana reforça que a trajetória de Jaqueline, gestora da creche, a inspirou para poder alcançar o seu sonho.
‘Quem estuda escolhe, quem não estuda é escolhido’
Assim como Marinita, Jaqueline Teixeira, 46, também encontrou na UNAS o impulso que transformou sua trajetória. Começou como voluntária na cozinha do CEI Padre Pedro Ballint, onde os filhos estudavam, em um período em que ela e o marido estavam desempregados, sendo amparados pelo seguro-desemprego de ambos. O auxílio de Jaqueline havia acabado e o do companheiro estava prestes a expirar, até que a diretora do CEI, na época, a informou de uma vaga em outra unidade, após saber de sua condição.

O caminho de Jaqueline na UNAS se iniciou no CEI Aparecida das Graças Silva Roseira, onde atuou na equipe de apoio, auxiliando na cozinha e nos serviços de limpeza. Com o tempo, Jaqueline passou a participar de formações e atividades internas, sempre incentivada pelas gestoras. Foi em uma das paradas pedagógicas realizadas mensalmente, ao ouvir que ‘quem estuda escolhe, quem não estuda é escolhido’, que decidiu retomar os estudos.
Jaqueline reforça a importância da UNAS nessa decisão, visto que companheiras de equipe a apoiaram durante todo o processo: primeiro para a conclusão do ensino médio, e posteriormente, a sua graduação, possibilitada pela doação da organização de uma bolsa integral para cursar pedagogia.
A partir daí, Jaqueline cresceu dentro dos projetos: trabalhou em CCAs (Centros para Crianças e Adolescentes), tornou-se educadora, coordenadora e, mais tarde, gestora do CEI Simone. Na função atual, ela reconhece a necessidade de incentivar também as pessoas da equipe: “É importante, porque hoje tudo é difícil: o salário é baixo para viver em um mundo inflacionado. Então, se você tem uma chance de estudar, se dedicar e se aprimorar no que gosta, por que ficar estagnado?”.
Soube do sonho de Marinita assim que ela chegou no CEI. Conheceu a trajetória que antecedeu o seu trabalho na creche da UNAS e diz que a pernambucana se sentia impedida por não ter estudos. “Falava para ela: ‘vai estudar! Aproveita a oportunidade’. E ela sempre teve muita força de vontade!”, comenta.
“Eu tinha o ensino médio, mas foi através da Jaque, que sempre incentiva a gente, que eu criei coragem. Ela contou a história dela que é muito bonita”. Marinita ainda relata que sentiu força a partir de Jaqueline, ao visualizá-la em uma posição de liderança, após todas as situações que precisou passar para estudar e conseguir ser gestora.

Assim como a UNAS fez com ela, Jaqueline replicou o apoio que recebeu ao longo de sua vida, para Marinita realizar o seu sonho através da educação. “Houve uma época que eu queria desistir da faculdade, porque o notebook que tinha não conseguia suportar as atividades, que eram muitas. Quando contei para a Jaque, ela disse ‘nada disso’, e me doou um computador”, conta Marinita.
Além disso, ela também recebeu todo o suporte necessário para realizar a etapa do estágio, necessária para a conclusão de sua graduação. Jaqueline relembra: “Sempre que ia fazer estágio na EMEF Campos Salles, saía daqui pulando, parecia até criança. Aí ela voltava e contava tudo que acontecia”. Ao terminar a faculdade, recebeu o convite da gestora do CEI para atuar como educadora em uma das turmas, dando a oportunidade que ela tanto esperou.
Entre seis irmãos, Marinita é a única com ensino superior completo e agora inspira a família
Marinita se emocionou ao compartilhar a notícia com a família, que ainda vive na cidade que precisou deixar para trás. “Todo mundo chorou. Eu tenho seis irmãos, mas de todos, fui a única que estudou e que conseguiu se formar”, comenta. A conquista, para ela, simboliza não apenas a realização de um sonho pessoal, mas também a superação de uma vida marcada por desafios, reafirmando que a coragem de recomeçar pode transformar trajetórias inteiras.

“Minhas sobrinhas são todas novinhas, casadas, e dizem: ‘eu quero me inspirar na senhora’. Eu sempre falo para a minha família que nunca é tarde para realizar os seus sonhos.” Ao olhar para trás, Marinita reconhece que cada etapa, desde a infância difícil em Garanhuns até o dia em que entrou pela porta do CEI Simone, construiu a força que hoje ela compartilha com as outras mulheres da família.
Dentro da sala de aula, trabalhando diariamente com bebês e crianças, Marinita sente o alívio e a alegria que acompanham a concretização de um desejo que nasceu na infância. “Eu amo criança! Eu não fiz faculdade por dinheiro, eu fiz porque era um sonho”, afirma.
Jaqueline, que acompanhou cada passo dessa caminhada, reforça que o papel da equipe de apoio [lugar onde tanto ela quanto Marinita começaram] é fundamental dentro da creche e, muitas vezes, pouco reconhecido. “A equipe de apoio não deixa de realizar um papel de educador. Eles ensinam às crianças: ‘vamos deixar tudo limpinho, vamos descartar o nosso lixo corretamente’. Mostram essa parte importante para a saúde”, explica. A gestora destaca que ali, em cada gesto simples, já existe o exercício da educação, e que enxergar esse potencial foi essencial para que Marinita acreditasse que poderia ir além.
As trajetórias de Marinita e Jaqueline refletem a história de mulheres que se apoiam, se reconhecem e se impulsionam dentro dos territórios, movimento que a UNAS fortalece diariamente ao promover educação, dignidade e direitos humanos como bases de transformação social.
























