Mulheres de Heliópolis celebram 10 anos da conquista da iluminação LED
- Escrito por Marcela Muniz | Editor Douglas Cavalcante
- há 17 horas
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Atualizado: há 5 horas
Maior favela de São Paulo foi a primeira a receber o sistema nas ruas; atualmente, desafio é manter funcionamento
O artigo 3º da Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece a segurança pessoal como um direito de toda e qualquer pessoa. No Brasil, mulheres que se organizaram politicamente estiveram à frente de conquistas essenciais para a sua própria segurança, como a Lei Maria da Penha, sancionada em 2006, ou a criação da primeira Delegacia da Mulher, em 1985.
Seguindo essa trajetória de luta, as mulheres de Heliópolis também precisaram se mobilizar para solucionar a causa da constante insegurança que sentiam ao circular pelo território: a ausência de uma iluminação pública adequada. Há dez anos atrás, as ruas da maior favela de São Paulo foram as primeiras da América Latina a receber luzes de LED, após a promoção de um “Lanternaço” pelo Movimento de Mulheres, idealizado pela UNAS.

No dia 9 de dezembro de 2015, a Prefeitura de São Paulo inaugurou oficialmente o novo sistema de iluminação pública em Heliópolis, substituindo as lâmpadas antigas por tecnologia LED em toda a comunidade. Essa melhoria foi resultado da forte articulação do Movimento de Mulheres, que identificou a urgência de tornar mais seguros os trajetos percorridos diariamente por milhares de moradoras. Naquele período, o Movimento desenvolveu diversos encontros em parceria com a Actionaid, organização parceira da UNAS, que promovia a campanha Cidade Segura para as Mulheres.
Mayara do Nascimento, 35, coordenadora do Movimento de Mulheres, lembra que o primeiro passo foi mapear os pontos mais vulneráveis do território. Foi neste momento que entenderam que a iluminação era uma questão que influenciava a sensação de segurança. “Eu, por exemplo, vivi um episódio em que fui assaltada, não dentro da comunidade, mas à noite, em um lugar pouco iluminado. Nesses locais costumamos nos sentir mais inseguras”, comenta.
Maria Aparecida Ferreira, 61, também integra o Movimento e compartilha que a insegurança nas ruas mais escuras parte de uma incerteza: “Nós [mulheres] sentimos medo quando encontramos outra pessoa, às dez da noite ou de madrugada, porque não tem como saber se é alguém que também está indo trabalhar ou que está vindo de alguma situação de drogadição, por exemplo”. A partir dos relatos de Mayara, Maria e de outras mulheres, o grupo organizou o Lanternaço em 2015. “Tivemos a ideia de andar com velas pelas ruas que mapeamos, denunciando a falta de iluminação, a ausência do Estado e reivindicando os direitos das mulheres”, conta Mayara.
Foi iniciada a produção das velas e bandeiras que seriam utilizadas. O percurso do Lanternaço partiu do Núcleo Lagoa e seguiu pelas ruas de Heliópolis até o Córrego Independência, próximo ao Residencial Heliópolis, popularmente conhecido como Redondinhos. Cerca de 70 mulheres participaram da ação que expôs a necessidade de atenção para o que afetava a segurança delas. “Não tínhamos noção da proporção que nossa ação tomaria”, compartilha Mayara. A denúncia do Lanternaço abriu portas para conversas e discussões com o prefeito da época Fernando Haddad (PT), e atraiu a visita do Secretário de Serviços Simão Pedro, hoje deputado estadual em SP, para conhecer e avaliar o território. A partir da articulação, Heliópolis se tornou o primeiro local na América Latina a receber a estrutura de lâmpadas de LED nas ruas.
Para Maria Aparecida, a conquista simboliza a legitimidade da luta do Movimento. “É muito gratificante ver que estabelecemos um movimento verdadeiro; ele não é algo pensado ‘para inglês ver’. É algo real”. O Movimento de Mulheres de Heliópolis e região é pautado por temas e assuntos identificados pelas próprias mulheres sobre o cotidiano na comunidade. Essa metodologia se faz importante por assegurar que as ações desenvolvidas respondam às necessidades reais das moradoras e gerem mudanças concretas no território.

Mayara acredita que o resultado da ação as fortaleceu e evidenciou o poder da articulação coletiva. “Nos ajudou a entender que juntas conseguimos promover mudanças concretas. Deu um ‘gás’ para a nossa luta”, expressa. Ela ainda relata que, enquanto mulher, se sente lisonjeada em circular pelo território iluminado e saber que fez parte da conquista.
A precariedade da iluminação pública não afetava apenas a segurança das moradoras. Estudo realizado pelos Institutos Patrícia Galvão e Locomotiva, em 2025, aponta que 63% das mulheres brasileiras que frequentam atividades noturnas já desistiram de sair de casa por causa da sensação de insegurança. Em Heliópolis, antes do Lanternaço, as mulheres tinham seus direitos bastante restritos, especialmente no que diz respeito à educação e à liberdade de se movimentar pelo território, evidenciando e reforçando a desigualdade entre os gêneros.
Maria Aparecida acredita que a mudança não foi positiva apenas para o público feminino. “Eu acho que melhorou para todo mundo. Por exemplo, naquela época quem costumava participar do MOVA [Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos] eram os idosos, e a questão da iluminação dificultava para eles irem para as escolas”, lembra a integrante do Movimento. “Nesse sentido, foi algo que favoreceu toda a comunidade”, completa.
A potência da união feminina foi essencial para este marco histórico. Mayara conta que o Movimento é composto por um grupo ‘bem articulado’ e participativo, o que faz toda a diferença. A coordenadora expressa que essa força é essencialmente construída através dos valores do coletivo. “Eu fui atendida nos projetos da UNAS, então tive o privilégio de receber orientações de mulheres maravilhosas que sempre me incentivaram a lutar pelos meus direitos. Quando cheguei no Movimento, isso já estava enraizado no pensamento do grupo”, aponta.
Camilly Santos, 22, estudante de Pedagogia, circula pelas ruas de Heliópolis nos dias atuais e vivencia o resultado da conquista das mulheres que lutaram dez anos atrás. “Eu me sinto segura. Costumo dizer para os meus amigos de fora que eu me sinto mais segura caminhando aqui do que em outro lugar”. Ela ainda compara a situação da iluminação com locais da cidade que conhece. “Na Domingos de Moraes, por exemplo, o percurso de uma estação para a outra tem alguns trechos mais escuros, que parecem perigosos, então eu fico mais receosa.”

Mesmo após a implementação do sistema, Mayara aponta que ainda é necessário um esforço dos moradores para o seu funcionamento eficaz. Em nota, a SP Regula (Agência Reguladora de Serviços Públicos do Município de São Paulo) informou que são atendidos, em média, 230 chamados de manutenção da iluminação pública por mês em Heliópolis. No entanto, não foram disponibilizadas informações referentes à quantidade de solicitações realizadas pelos moradores. “Ainda precisamos discutir sobre como monitorar isso: garantir a manutenção, com quem falamos, como fazer essa articulação. Esse acompanhamento tem que ser contínuo, porque as estruturas dos governos mudam, e isso pode ser deixado de lado”, conta Mayara.
Para garantir que o sistema siga funcionando ou denunciar falhas na iluminação em Heliópolis, moradores podem solicitar manutenção pelo telefone da SP Regula 0800 779 0156, que realiza atendimento 24 horas ou através do aplicativo Ilumina SP (disponível para iOS ou Android). Em caso de falta de energia em residências ou comércios, a solicitação deve ser feita para a ENEL, através do telefone 0800 72 72 120. Esse monitoramento é parte de uma responsabilidade coletiva, mas também revela uma falha estrutural: avanços conquistados por pressão social nem sempre se sustentam sem que a população siga fiscalizando o Estado.
A luta continua: estado de SP registra aumento de feminicídios enquanto corta verbas de proteção
Mesmo dez anos após o Lanternaço, a realidade das mulheres em todo o Brasil ainda é marcada pela necessidade de lutar para garantir o básico para a sua própria sobrevivência. Até o mês de outubro deste ano, foram registrados 207 casos de feminicídio no estado de São Paulo, ultrapassando a quantidade de 191 ocorrências no mesmo período do ano passado, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública.

Maria Aparecida afirma que o feminicídio está diretamente ligado à falha da segurança pública, que não consegue proteger as mulheres mesmo quando elas denunciam. Levantamento realizado pela Agência Patrícia Galvão, em fevereiro de 2025, aponta para um congelamento de 96% do orçamento estadual destinado ao combate da violência de gênero. O órgão mais afetado pelo corte do governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) foi a Secretaria de Políticas para a Mulher, que teve a verba do programa de combate à violência completamente congelado.
Em um cenário de mortes que poderiam ser evitadas, a experiência de organização e mobilização das mulheres de Heliópolis demonstra que a escuta ativa das demandas femininas e a transformação de suas reivindicações em políticas públicas efetivas são caminhos fundamentais para a preservação da vida.









































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