top of page
Escrito por Wallace França | Editor Douglas Cavalcante

Movimento de Alfabetização rompe barreiras da idade na transformação a partir da educação libertadora

O MOVA - Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos foi criado em 1989 pelo educador e filósofo Paulo Freire durante sua atuação como Secretário Municipal de Educação em São Paulo, sob a gestão da Prefeita Luiza Erundina. Com o objetivo de combater o analfabetismo entre jovens e adultos, o MOVA promove uma educação crítica e participativa, em parceria com movimentos sociais e comunitários, usando espaços como igrejas e associações para sediar núcleos de alfabetização. A metodologia se expandiu para outros estados e, em 2003, foi lançada nacionalmente como MOVA-Brasil, ampliando o impacto educacional e social em diversas regiões do país.


A UNAS Heliópolis e Região coordena atualmente 17 salas do MOVA no território de Heliópolis e também no entorno. São mais de duas décadas de atuação dentro desses territórios, onde histórias de resistência, impacto e transformação se encontram na vivência de educadores populares e alunos, que se cruzam e se justificam umas nas outras, a partir do princípio que todos têm o direito à educação, seja em qualquer etapa da vida. Ana Lurdes e Rosenilda se encontraram no MOVA como educadora e aluna e dentro dessas trajetórias tão distintas, a oportunidade e o esperançar também se cruzam.


Ana Lurdes da Silva têm 60 anos e há 20 anos é professora do MOVA e destaca como esse encontro com o projeto de alfabetização, justifica sua vocação de ensinar e que mesmo com as adversidades do caminho dessa jornada, o que impulsiona o trabalho é a força de quem ensina e de quem aprende, onde cotidianamente, esses papéis ocupam lugares distintos dentro dessa forte relação.

“Eu sou professora do MOVA há 20 anos e comecei como voluntária, muito antes do formato do projeto que temos hoje, onde logo no começo desse trabalho, buscávamos os alunos em porta em porta, dando essa oportunidade para aqueles que não tiveram a chance de estudar. Fui missionário por muitos anos e sempre atuei na igreja na área pastoral, de ir até o povo e conhecer a realidade, que também era a minha realidade. Foi assim que comecei no MOVA, recrutando as pessoas no final da missa e aos poucos foi possível montar uma turma dentro da própria igreja que eu participava. Os desafios são inúmeros para a permanência e frequência dos alunos, onde cada obstáculo é real e precisamos criar estratégias para manter os nossos alunos.”


Dentro desse processo que originou o trabalho da UNAS em relação ao movimento de alfabetização, uma grande oportunidade surgiu para que Ana Lurdes pudesse dar mais um novo passo na sua formação acadêmica, ingressando na faculdade com a parceria da Universidade São Marcos e a UNAS de maneira gratuita. “Entrei no MOVA sem a experiência formal de professora e sem a faculdade, mas isso não foi um impedimento de continuar possibilitando o encontro de outras pessoas com a educação. Em 2006, tive a oportunidade de cursar Pedagogia graças as bolsas concedidas para os moradores de Heliópolis, onde foi possível dar mais esse passo na minha formação, o que foi muito importante no meu desenvolvimento profissional e comunitário, onde inclusive tive a chance de coordenar o MOVA por 6 anos, tendo a missão de zelar pelo projeto como um todo. Hoje sigo como professora e o que me mantém firme nesse propósito de educar e aprender com todos eles é a resiliência e as histórias de cada um deles, onde quanto mais eu escuto a trajetória de vida, mais vontade eu tenho de estar aqui com eles e de continuar. Eu acredito nessa mudança que a partir da educação, transforma jornadas.”


Dentro do objetivo da busca pela construção do Bairro Educador, pautado pela educação transformadora freiriana, o MOVA tem um papel fundamental dentro de todo esse processo, que visa quebrar as distâncias impostas por realidades muito desafiadoras e que mantiveram a margem muitas pessoas e que a partir desse verdadeiro movimento de luta em prol da educação, busca um diferencial no acolhimento, na conexão entre aluno e educador e principalmente, a ligação com a comunidade e com realidades diversas.



Rosenilda Maria de Farias, nasceu no interior de Alagoas e ainda muito criança precisou trabalhar, deixando para trás sua infância, seus estudos e ainda muito pequena, encontrou um volume muito grande de trabalho, com inúmeras responsabilidades. “Eu nasci na cidade de Sertãozinho e eu não tive uma infância. Comecei a trabalhar na roça muito cedo. Por volta das 5 horas da manhã, meu pai acordava todas as crianças da casa para quebrar fumo na roça, plantar abacaxi, cana de açúcar, esses tipos de trabalho. Ficava com muito frio porque as folhas do fumo estavam todas molhadas e tínhamos que quebrar e carregar debaixo do braço e vestia sacos para aquela água não ficar no meu corpo. Éramos em 8 irmãos e quando dava umas 7 horas da manhã, minha mãe trazia o nosso café. Com 9 anos de idade, o patrão do meu pai me colocou para trabalhar na sua casa, onde comecei a cuidar de outras 3 crianças e todas as tarefas ligadas as crianças eu tinha que fazer. Dormia sozinha no quarto do fundo da casa. Foram muitos anos de trabalho até os meus 16 anos e eu nunca tive acesso ao dinheiro do meu serviço, tudo ia direto para o meu pai. Fui matriculada pela minha mãe na escola e lembro até hoje o nome da minha professora, Margarida. Fiquei apenas alguns dias porque logo o meu pai foi no colégio e me tirou de dentro da sala de aula e só voltei com 55 anos aqui pelo MOVA.”


Esse relato é o retrato de muitas outras pessoas que não tiveram a mínima chance de permanecer ou acessar a escola, trocando a caneta, os lápis, cadernos e livros, por instrumentos e ferramentas, dentro de uma rotina exaustiva e não compatível com a idade de tantas crianças e que por uma extrema vulnerabilidade, permaneceram tão longe da escola. Rosenilda, cansada do trabalho pesado e cansativo, chega em São Paulo com apenas 16 anos para conquistar um novo formato de trabalho, constituindo sua família, buscando por uma vida melhor. Finalizou a criação dos seus filhos e mesmo com muitas questões de saúde que impactaram a sua locomoção, entrou pelo convite e provocação de uma amiga, o MOVA, uma nova oportunidade de finalmente voltar para escola.

“Volto para sala de aula depois de tudo isso que aconteceu na minha vida. Sempre me senti triste por não saber escrever. A coisa pior na minha vida era chegar para tirar um documento e não saber nem fazer o meu nome e ter que colocar o dedo, assinando com a minha digital. Aqui no MOVA eu tive a minha verdadeira experiência de estudante. Eu estava trabalhando e quando cheguei do serviço minha amiga me falou que eu falava tanto de estudar e que a gente poderia fazer a inscrição aqui na Rua da Mina. Então começamos juntas e eu nunca mais sai, mesmo com a pandemia e também com a minha dificuldade de locomoção, troquei de turma para ter o acesso a sala porque tive um aneurisma e tenho um problema na coluna, mas nada disso me afastou da escola. Organizo toda a minha rotina para estar aqui na sala, deixo tudo arrumado, levanto cedo, adianto o que tem que adiantar, mas um dia de aula eu não falto. Eu não tive o incentivo dos meus pais para seguir nos estudos, mas meus filhos tiveram essa motivação e são eles, junto com os meus netos, que me impulsionam para não desistir, assim como o apoio e dedicação da minha professora, uma pessoa fundamental dentro da minha história de vida.”


Muitas vidas foram e continuam sendo impactadas em todos esses anos de atuação e resistência do Movimento de Alfabetização. É necessário visibilidade e mais investimento para que novas turmas sejam viabilizadas. A jornada de Ana Lurdes e Rosenilda e de muitas outras pessoas são transformadas diariamente pela força da educação e de muitas educadoras e educadores por todo o país. Dentro do processo do MOVA também acontece o estímulo para que os alunos possam dar continuidade a partir do EJA - Ensino de Jovens e Adultos. Existe em muitos casos uma maior identificação e consequentemente uma resistência maior em ficar no MOVA devido ao formato assimilado pela UNAS que é justamente o diferencial do Bairro Educador, com um olhar humanizado, que vai além da sala de aula, onde o educador que está inserido dentro dessas vivências do território e consequentemente, possuem um outro olhar para as pessoas e pelas metodologias adotadas dentro do MOVA. “O MOVA precisa ter mais visibilidade, precisamos divulgar esse importante projeto que muda vidas e que merece atenção, investimento e cuidado. A educação precisa desse olhar, somos uma resistência e nunca vou deixar o MOVA, essa é a minha missão”, finaliza a professora Ana.

_____________________________________________________________________________


As inscrições para novos alunos acontecem diretamente nos polos onde as turmas estão localizadas e também na sede da UNAS. Muitos dos interessados acabam chegando na sala de aula através da indicação dos próprios alunos. O MOVA é fruto do convênio com a Prefeitura da Cidade de São Paulo via Secretaria Municipal de Educação. São beneficiadas 360 pessoas, distribuídos em 17 salas de aulas em Heliópolis e bairros da região. As aulas acontecem de segunda à quinta-feira e na sexta-feira é o momento da formação dos educadores possibilitando o compartilhamento de como está sendo dentro da sala de aula com as fragilidades e potencialidades.


167 visualizações

Comments


Posts Recentes
Arquivo
bottom of page