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EMEF Campos Salles: escola e comunidade saem em defesa de projeto pedagógica inovador em Heliópolis

  • UNAS Heliópolis e Região
  • 17 de jun.
  • 7 min de leitura

Decisão da Prefeitura de afastar diretora com base em nota do Ideb provocou comoção entre professores, estudantes e lideranças comunitárias


Decisões tomadas de cima, sem diálogo com quem vivencia o cotidiano escolar, muitas vezes desconsideram trajetórias construídas com cuidado, compromisso e pertencimento. Quando mudanças afetam diretamente projetos coletivos e comunidades inteiras, é preciso refletir: qual é o verdadeiro sentido da aprendizagem e quem, de fato, participa da sua construção? Foi esse questionamento que abalou profundamente a comunidade escolar da favela de Heliópolis.


Em 23 de maio, a Prefeitura de São Paulo convocou 25 diretores de escolas municipais para uma reunião. Eles foram informados de que seriam deslocados de suas unidades de trabalho para participar de uma formação integrante do programa Juntos Pela Aprendizagem. A EMEF Campos Salles foi uma das instituições de ensino contempladas na seleção. A medida gerou indignação entre as pessoas e instituições envolvidas no projeto pedagógico da escola.

A instituição é reconhecida internacionalmente pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) pela inovação que propõe, não apenas no campo do ensino e da aprendizagem, mas também pela gestão democrática, construída com a participação ativa da comunidade, dos estudantes e de suas famílias. Em 2015, a Campos Salles foi reconhecida como exemplo de inovação e criatividade na educação básica pelo Ministério da Educação, sendo no mesmo ano semifinalista do Prêmio Itaú Unicef, concedido pela Fundação Itaú Social, Fundo das Nações Unidas para Infância e pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária.


Afastamento motivado por avaliação 


A Prefeitura alegou que a escolha das 25 escolas se baseou na nota do IDEB 2023, avaliação nacional que combina índices de reprovação com o resultado de uma prova bienal de português e matemática, aplicada no início e no fim do Ensino Fundamental. 


A meta para os anos iniciais em 2023 era 6 pontos, mas apenas 24,5% das 457 escolas municipais de São Paulo atingiram esse índice. Segundo a Secretaria Municipal de Educação, a Campos Salles foi incluída por ter nota abaixo de 4,9, mínimo estipulado pela própria secretaria.


No entanto, dados do INEP mostram que a escola vem apresentando melhora desde 2007, quando teve IDEB de 4,4 nos anos iniciais, chegando a 6,2 em 2021. A queda entre 2021 e 2023 é atribuída aos impactos da pandemia de Covid-19, que aprofundou desigualdades educacionais e sociais no país.

“O IDEB não mede autonomia, solidariedade e nem responsabilidade. O IDEB não mede vida. Índice para poder medir o ensino é importante, mas tem que colocar outros indicadores”, ressalta Braz Nogueira, ex-diretor da EMEF Campos Salles e vice-presidente da UNAS. 


Em complemento, aponta: “Aqui, o aluno se preocupa com o futuro da escola, da rua, da casa, da comunidade. O projeto da Campos Salles busca formar um sujeito integral, não apenas preparado para provas, como mede o IDEB, mas consciente e engajado com a realidade ao seu redor.”



O interventor


A medida afasta a diretora da EMEF Campos Salles, que passará a participar de formações nas Diretorias Regionais de Educação (DREs) quatro dias por semana. Para garantir a gestão da escola durante esse período, a Prefeitura nomeou um assistente de direção para assumir temporariamente a função, de junho a dezembro de 2025.


No entanto, para a comunidade escolar, essa nomeação é vista como autoritária, e o assistente tem sido chamado de "interventor".

Segundo a socióloga Helena Singer, em entrevista ao portal Centro de Referência em Educação Integral: “afastar um diretor escolar e colocar um interventor em seu lugar é um feito absolutamente autoritário e inédito no contexto democrático. É nível de ditadura civil. Esse tipo de medida só é tomada quando há denúncia de crimes como corrupção, abuso, assédio [...] Os formuladores do projeto do IDEB e muitos dos seus apoiadores jamais imaginaram que o resultado do índice deveria vir acompanhado de um afastamento do diretor da escola.”


Braz aponta que a nomeação de um interventor é arbitrária, já que os critérios para a escolha desse profissional não foram divulgados. Para ele, isso evidencia uma situação preocupante, pois, sendo a seleção realizada pelos órgãos centrais, é provável que os interventores não tenham vínculo com as comunidades escolares nem conheçam os territórios onde as unidades estão inseridas.


É preciso estar atento e forte



No dia 27 de maio de 2025, crianças, adolescentes, famílias e a comunidade de Heliópolis, realizaram um ato em frente à escola contra a intervenção autoritária da Prefeitura, defendendo o projeto político pedagógico da EMEF Campos Salles que vem sendo construído por muitas mãos há mais de 20 anos.


Para a coordenadora pedagógica Letícia Mendonça Dias da Silva, a mobilização foi importante para que a comunidade pudesse demonstrar que não apoia uma atitude que desrespeita a gestão democrática. “Essa decisão abre espaço para uma terceirização das equipes gestoras, que é a ideia de fundo, uma ideia que está sendo bastante movimentada e veiculada, até nas entrevistas do secretário de educação.” 


Os estudantes também se manifestaram, demonstrando consciência da importância do projeto da escola. Davi Rodrigues Souza, estudante do 7º ano, defendeu sua posição: “Eu acho um absurdo porque essa escola tem um passado muito marcante, de luta, de muitas tentativas para o projeto dar certo. A importância desse ato é a gente mostrar que aqui na nossa escola a gente, crianças e adolescentes, encontram abertura para conversar, não é que nem outras escolas.”

Davi, estudante da EMEF Campos Salles, apresenta cartaz produzido em defesa da escola | Foto: Douglas Cavalcante
Davi, estudante da EMEF Campos Salles, apresenta cartaz produzido em defesa da escola | Foto: Douglas Cavalcante

O professor de inglês da Campos Salles, Atair de Carvalho, disse: “A gente está aqui na resistência, em prol da nossa comunidade e do nosso bairro educador”. Vanessa Félix Rodrigues, mãe de um aluno do 1º ano, lembrou: “Antes dos meus filhos nascerem, eu já conhecia o projeto e queria que eles estudassem aqui. Eu acho importante a gente defender o projeto para ele não acabar. São direitos que a gente conquista com tanto esforço.”


A Adriana Camelo Goes, integrante do conselho de escola da EMEF Campos Salles, também se manifestou: "Estou há 30 anos aqui e sempre liderando com nossos professores e coordenadores, com a Secretaria e nossos alunos. Defendo o direito das nossas crianças nessa escola, da nossa comunidade. Não aceito o que estão tentando fazer: privatizar nossa escola." 

Gabrielly, estudante da EMEF Campos Salles durante ato em defesa do projeto pedagógica da escola | Foto: Douglas Cavalcante
Gabrielly, estudante da EMEF Campos Salles durante ato em defesa do projeto pedagógica da escola | Foto: Douglas Cavalcante

Mas foi Gabrielly Ferreira, que estuda no 7º ano, quem deu a letra: “É importante pra gente mostrar que não estamos de brincadeira. Eles, o prefeito e o secretário, não podem mexer com a nossa escola, porque temos um passado de luta e resistência, que foi passado de geração em geração e, por isso, esse projeto nunca acabou. Agora eles querem tirar o projeto de pouquinho em pouquinho, porque não conseguem tirar o projeto todo de uma vez. Primeiro os diretores, depois os professores, os funcionários e daqui a pouco é a gente. Então, queremos mostrar que a nossa escola é uma coisa para a comunidade, para a gente. Por isso alguns de nós fizeram vídeos, outros cartazes para mostrar nossa revolta porque o futuro está repetindo coisas do passado, as coisas estão se repetindo, então estamos fazendo nossa caminhada para mostrar que a nossa escola é uma escola de resistência.” 


Projeto político pedagógico


De acordo com Sabrina Santos, 23 anos, pesquisadora do Observatório De Olho na Quebrada o projeto da EMEF Campos Salles é uma referência na relação entre escola e comunidade "Inspirada na pedagogia de Paulo Freire e na experiência da Escola da Ponte, a Campos Salles derrubou muros físicos e simbólicos. As salas tradicionais deram lugar a espaços compartilhados, com estudantes organizados em grupos, e a praça antes violenta foi transformada em área de convivência, integrando o bairro à vida escolar. A escola atua em rede com a UNAS e outras organizações locais, promovendo desde 1999 a Caminhada Pela Paz, que mobiliza milhares por políticas públicas e cultura de paz".

Caminhada pela Paz percorre as ruas da Favela de Heliópolis | Acervo: UNAS
Caminhada pela Paz percorre as ruas da Favela de Heliópolis | Acervo: UNAS

Tudo começou no final dos anos 1990, quando Braz assumiu a direção da escola e buscou na UNAS uma gestão escolar realmente democrática. Essa aliança cresceu tanto que hoje parecem uma só entidade. A participação dos estudantes, famílias e da comunidade aumentou, consolidando a gestão democrática como prática político-pedagógica. No meio dos anos 2000, UNAS e Campos Salles uniram forças para transformar a favela em um Bairro Educador.


No entanto, as conquistas estão ameaçadas pelas mudanças políticas recentes. No fim de 2024, a Prefeitura iniciou a privatização gradual das escolas municipais. Um marco foi a aprovação da Lei Nº 18.211, em 27 de dezembro, que permite o remanejamento de diretores cujas escolas não atinjam metas, com a nomeação de profissionais indicados pelas instâncias superiores para supervisionar as unidades durante a ausência.


Decisão afeta escolas municipais periféricas


A cartografia elaborada por Sabrina Santos, revela as características dos territórios onde estão localizadas as 25 escolas, com base nas definições do HabitaSampa. O estudo mostra que a maioria dessas instituições está inserida em favelas e periferias.

Cartografia produzida por Sabrina Santos
Cartografia produzida por Sabrina Santos

Sabrina reforça essa análise ao examinar a medida adotada pela Prefeitura em seu estudo. “Desde 1997, a escola rompe com os modelos tradicionais de ensino e, em diálogo com os moradores da favela, constrói um projeto político-pedagógico fundamentado na autonomia, na participação comunitária e na articulação com o território”.


Para a pesquisadora, é nesse sentido que a reafirmação da gestão democrática e do inovador projeto político-pedagógico da Campos Salles se torna um ato político. Ela expressa não apenas os problemas enfrentados, mas também a capacidade coletiva de buscar soluções. 


“Não por acaso, em um território considerado vulnerável, a Campos Salles tem se consolidado como uma importante ferramenta de transformação social, sendo uma das lideranças na luta pela ampliação dos direitos das pessoas que vivem em Heliópolis”, finaliza.

Estudantes e moradores protestam contra decisão da Prefeitura pelo afastamento da direção | Foto: Douglas Cavalcante
Estudantes e moradores protestam contra decisão da Prefeitura pelo afastamento da direção | Foto: Douglas Cavalcante

 
 
 

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