Projeto Curumins do Brasil acolhe e cuida de crianças vítimas de violência no Ipiranga
- Escrito por André Silva | Editor Douglas Cavalcante
- há 2 dias
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Atuando há quase 10 anos no Ipiranga, o SPVV Curumins do Brasil tem gerado acolhimento, escuta e cuidado com crianças, adolescentes e famílias vítimas de violência.
Milhares de casos de violência contra crianças e adolescentes são registrados todos os anos no Brasil e em 2024 as denúncias chamaram a atenção dos dados do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) cuja ouvidoria apontou quase 290 mil denúncias e mais 1 milhão e 700 mil casos de violações contra crianças e adolescentes, com grande parte desses casos — 60% das denúncias e 69% das violações — ocorrendo no estado de São Paulo. Entretanto, esses números representam apenas a ponta do iceberg, uma vez que estima-se que a subnotificação seja ainda maior, sobretudo quando a violência ocorre dentro do ambiente familiar, justamente onde os vínculos deveriam ser mais protetivos.
Neste contexto, a criação e fortalecimento de políticas públicas voltadas à proteção integral da infância e da adolescência se tornam necessários e muito urgentes para a amplificação da Rede de Proteção para as crianças e adolescentes, e inserido como um aliado concreto no enfrentamento a essas violações na cidade de São Paulo está o SPVV — Serviço de Proteção às Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência — com o objetivo de acompanhar vítimas de violência doméstica e familiar, violência psicológica, física, patrimonial, e institucional, negligência, abuso e exploração sexual ou tráfico de pessoas; bem como atender também aos seus familiares e, quando possível, ao autor da violência. Com o objetivo de contribuir para proporcionar condições visando o fortalecimento da autoestima, superação da situação de violação de direitos e reparação da violência vivida, bem como identificar o fenômeno da violência e os riscos decorrentes para prevenir o agravamento da situação e promover também a interrupção do ciclo de violência.

“A gente ter um serviço que está ao lado para proteger e acolher aquela criança e aquele adolescente que passou por uma situação de violência é extremamente essencial.” explica Thayssa Ishizuka, psicóloga e à um ano atuando no SPVV - Curumins do Brasil, sob gestão da UNAS.
São Paulo conta hoje com 37 unidades dos SPVV’s e um deles, situado no Ipiranga, é o SPVV - Curumins do Brasil, gerido pela UNAS em convênio com a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, com capacidade para atender 80 crianças e adolescentes com idades entre 0 e 17 anos e 11 meses que residem nos distritos do Ipiranga, Sacomã e Cursino, desde 2016 surge como um importante elo de acolhimento, cuidado e fortalecimento e, mais do que reagir a situações de violência, oferecem uma escuta humana e qualificada e apoio psicossocial.

“O Curumins do Brasil é importante por esta interlocução com a rede, este fortalecimento em defesa da criança, do adolescente e da sua família.” explica Abilia Santiago, psicóloga e gerente de serviços do SPVV - Curumins do Brasil. “Uma vez que a criança é apoiada por esta rede, dentro desse espaço, a gente tá conversando com todos os outros o quanto a gente pode colaborar com aquela criança no sentido do cuidado e na prevenção.”
Assim como os demais SPVV, o Curumins do Brasil não é um serviço de pronto atendimento e todos os casos atendidos são encaminhados apenas pelo CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) e, na ausência desta unidade, via CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) e somente depois que é trabalhado um vínculo com a família, pensando em metodologias que promova o resgate da função protetiva da família, como o acolhimento e a escuta.
“Normalmente a gente apresenta o SPVV de uma forma mais lúdica e não tão diretiva e direcionada somente que a gente é um serviço sobre violência, fazendo entender que aqui a gente não fala só sobre a violência, mas trabalhamos outras temáticas em relação a vida, a proteção e os direitos humanos.” conta Abilia.
“No primeiro contato a gente faz uma sensibilização sobre o serviço, mostrando as tipificações do nosso atendimento o objetivo que a gente tem com eles.” afirma Thaysa. “Sempre explicamos que a gente nunca vai tocar diretamente sobre a violência e apenas vamos entrar nesse assunto quando se sentirem prontos, então precisamos respeitar o tempo da família de falar ou não sobre isso.”

Dentro do SPVV Curumins do Brasil, a escuta humana e a compreensão da situação vivenciada por cada criança/adolescente e sua família consideram o contexto da vida familiar, social, econômica e cultural, não se limitando apenas ao papel da violência e proporcionando a construção de projetos de vida e de novas possibilidades de relacionamento e o acesso a direitos, isso é uma premissa do trabalho da UNAS no desenvolvimento de projetos, sob sua gestão.
“Aqui a gente precisa ver a criança e não a violência.” conta Abilia. “A gente não precisa olhar para essa criança e para esse adolescente com um olhar clínico ortodoxo onde você fica em uma sala, é preciso fazer com que ela seja vista e cuidada.”
Como centralidade, o serviço desenvolve ações e estratégias protetivas enquanto estabelece mediações junto aos responsáveis, promovendo atividades técnicas e lúdicas que ocorrem de modos individuais, grupais e coletivas, desenvolvidas com o objetivo de fortalecer a autonomia, o protagonismo e a ressignificação de vivências e, consequentemente, a interrupção do ciclo da violência.

“Fazemos um atendimento multidisciplinar, trabalhando tanto com atendimentos individuais com psicólogos e assistentes sociais, quanto com atividades em grupos com crianças, adolescentes e os responsáveis.” explica Thaysa. “Trabalhando com os seus direitos, visando ações auto protetivas e fortalecimento de vínculos, não só com os familiares, mas com os comunitários também.”
Por se tratar de um serviço público, o SPVV frequentemente enfrenta muitas resistências por parte da população. Em muitos casos, um dos receios em algumas famílias decorre da associação do serviço à ideia de que sua função também seja a de retirar as crianças de suas famílias ou de experiências desanimadores e desestimulantes em outros equipamentos.
“Tem pessoas que tem o receio de que o SPVV é o serviço que vai retirar a crianças dela ou porque já sofreu violência em outros equipamentos institucionais e pensa que o SPVV é só mais um desses.” explica Abilia
“A gente faz uma psicoeducação com a família também no sentido de desvincular essa imagem do judiciário que associam à nós, eles acham que vai ter uma oitiva.” complementa Thayssa.
Muitas vezes, esta situação chama a atenção para um cuidado amplo do SPVV tanto com a criança quanto com a sua família, pensando no papel de desvincular essa imagem do judiciário e do punitivo, bem como no acolhimento dos responsáveis e dos demais familiares, pensando em como estes chegam neste serviço e no papel que precisam desempenhar neste processo de ressignificação, fortalecimento e rompimento e é por isso que muitas vezes, mediante a avaliação da equipe, poderá ocorrer um trabalho desenvolvido à diferentes membros do universo familiar da criança e do adolescente.
“Quando a gente fala da violência direcionada à criança e adolescente, tem famílias que estão desesperançadas, aflitas, desencorajadas, com o sentimento de culpa.” explica Abilia. “Então precisamos trabalhar no fortalecimento psico-emocional e assim vamos desenhando esse caminho com essa família e com essa criança.”
“Não focamos somente no atendimento individualizado aqui dentro do equipamento, então pensamos e contribuímos para o fortalecimento dessa família, da conscientização dos seus direitos e então a gente tramita em todos os espaços da Rede de Proteção que contemple essa família e essa criança e os direitos que lhe cabem.” completa Thayssa.
Ana tem 24 anos e é moradora de Heliópolis, ela e a filha precisaram passar pelo acompanhamento do SPVV - Curumins do Brasil e lembra de como foi a sua recepção ao serviço no início.
“Eu cheguei lá muito fechada e eu não queria tocar no assunto. Mas me sentia melhor conforme eu ia e aos poucos fui compreendendo melhor sobre a situação, sobre meus direitos e os da minha filha, sobre a força que eu tenho, mas que eu não sabia que tinha.” explica “Fui acolhida, ouvida, orientada, tratada com respeito e solidariedade.Eles foram essenciais e também muito importante nesse processo difícil de nossas vidas, e se não fosse esse projeto eu realmente não sei como teria passado por tudo isso, porque na rua as pessoas julgam e tentam ‘defender’ o culpado por nos traumatizar e lá no Curumins eles são uma rede de apoio para nós e nossos filhos.”

Laura tem 28 anos e também é moradora de Heliópolis, foi no ano passado que precisou passar pelo acompanhamento do Curumins, o que tem sido um importante apoio tanto para sua filha, de 4 anos, quanto para ela.
“Desde o primeiro dia eu me senti muito acolhida e fui bem tratada por todos lá, eu e a minha filha, eles sempre tem as atividades e eu levo a Zoey pra sempre estar participando delas, pensando que são atividades com outras crianças e isso contribui na socialização e na formação dela.” conta Laura. “Sempre tem aquele sentimento de culpa e preocupado com o que vão pensar, mas a gente nunca está sozinha, eu sempre pensei que estava, que era só eu e minha filha, por eu ser mãe solo, sabe? Mas eles estão lá pra gente e sempre ajudando, já fui lá com problema no cadastro e eles me ajudaram, então se eu conhecesse alguém que precisasse do Curumins, eu com certeza levaria até lá.”
“O conselho para quem passa por isso é: não se calem, denunciem!” pede Ana. “Procurem ajuda psicológica e suporte, façam isso mesmo que no meio familiar não te apoiem.”
Se você e os seus direitos foram violados ou conhece alguém que passou por isso, o Disque 100 é um serviço que te permite denunciar e funciona 24 horas por dia e em todos os dias da semana - incluído feriado, é gratuito e não tem taxa adicional.
As denúncias podem ser realizadas através de outros canais como: o WhatsApp (61) 99611-0100; o Telegram ao digitar “DireitosHumanosBrasil” na busca do aplicativo; também pelo site do Ministério dos Direitos Humanos para atendimento em videochamada em Língua Brasileira de Sinais (Libras).
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