Somos resistência em meio a uma sociedade ainda marcada pelo preconceito
“O Dia da Visibilidade Trans para mim é o marco do reconhecimento da minha cidadania, enquanto cidadã de direitos. É o marco do empoderamento de direitos, numa sociedade cis-heteronormativa e patriarcal”.
Esse é o sentimento da assistente social Cássia Pereira de Azevedo sobre o dia 29 de janeiro, data em que se comemora a Visibilidade Trans no Brasil.
Cássia se apresenta como mulher trans, negra e periférica. E em uma sociedade ainda marcada por sexismo, racismo, transfobia e outras formas de preconceito, Cássia, sem dúvida, é sinônimo de resistência.
Trabalhadora do Centro de Cidadania LGBTI Edson Néris, projeto administrado pela UNAS desde 2016, na zona sul de São Paulo (SP), ela atende diariamente a população de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e intersexuais (daí a sigla LGBTI) que chega à unidade, na maioria das vezes, em situação de extrema vulnerabilidade social, sem acesso a direitos básicos, como educação, saúde e trabalho, e vítima de discriminação e de violência cotidianas.
Segundo Cássia, as principais demandas da população trans e travesti que permeiam seu cotidiano profissional estão relacionadas às “violências físicas e psicológicas que essas pessoas sofrem no seu cotidiano, seja numa ida ao mercado, shopping, dentre outras repartições públicas, seja numa simples consulta médica”.
A dificuldade de acesso ao mercado de trabalho é também outra questão recorrente em seus atendimentos, situação que ela vivenciou durante anos até se tornar assistente social e trabalhar no projeto.
“O meu desafio maior foi me inserir no mercado de trabalho, uma vez que fujo da ‘ordem natural’ dos padrões de macho ou fêmea impostos pela sociedade. E as desculpas foram diversas, como por exemplo: ‘você não se encaixa no perfil da empresa’, ou, ‘retornaremos para você’, costumam dizer”. Situações essas que se repetem com frequência, segundo os relatos que Cássia escuta em seus atendimentos.
Na opinião do assistente social Cláudio Bartolomeu Lopes, que é colega de trabalho da Cássia no CCLGBTI, esta dificuldade de acesso ao mercado de trabalho das pessoas trans e travestis está relacionada à “hipocrisia que ainda reina em nossa sociedade, sendo esta marcadamente machista e racista e atribuindo aos homens trans, mulheres trans e travestis um papel que beira a marginalidade”.
Segundo ele, o baixo nível de escolaridade também é um outro fator que impossibilita o acesso ao trabalho formal. “Muitas vezes, ouvimos dizer que as pessoas trans não estudam. O fato real é que estas pessoas, por conta da transfóbia, ainda presente no ambiente escolar, vão aos poucos sendo expulsas das escolas, da mesma forma que acabaram sendo expulsas de seus ambientes familiares”, completa.
Estas situações levam as pessoas trans e travestis a vivenciarem cenas cotidianas de violência, “que vão desde o desrespeito, à transfobia, diferentes formas de violência verbal, física, moral e, por vezes, o extermínio por meio de assassinatos cruéis”.
Cássia se lembra de uma das primeiras violências que sofreu, ainda na infância, vinda da sua própria família: ser calada pela mãe por querer usar uma calcinha. “É importante que as pessoas entendam que a gente não escolhe ser trans. A gente nasce assim”, explica, de forma didática, o que é identidade de gênero.
Equipe do Centro de Cidadania LGBT - Edson Néris (UNAS)
Nenhuma vida a menos!
Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), que divulgou nesta quarta-feira (29), o Dossiê Assassinatos e Violência contra Travestis e Transexuais Brasileiras em 2019, que aponta, mm 2019 o estado de São Paulo foi o que mais teve casos de assassinatos, com um aumento de 50% em relação a 2018, já em relação ao sentimento das pessoas trans no país, a pesquisa revela que 99% das pessoas LGBTI não se sentem seguras no Brasil.
O Brasil ainda segue na liderança no ranking dos assassinatos de pessoas Trans no mundo, conforme relatório da Trangender Europe (TGEU), instituição que monitora dos casos de assassinatos de pessoas Trans pelo mundo. Todavia, o número de ocorrências desse tipo pode ser ainda maior, devido ao elevado índice de subnotificação.
Esse histórico, somado ao visível aumento recente da incitação ao ódio contra populações LGBTI, negros/as e indígenas, banalizam ainda mais a violência contra homens e mulheres trans e as travestis.
Pelo menos essa é a impressão da Cássia, com base nos atendimentos que faz no CCLGBTI de São Paulo. “Nos dias de hoje, com esse governo, acho que dobrou o número de violência contra o público LGBTI, em especial contra as pessoas trans e travestis, ainda mais porque nossa identidade de gênero está visível”, opina.
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